domingo, 5 de julho de 2009

O Movimento dos Fingidores Anônimos


Invariavelmente uma situação como essa já deve ter se passado contigo, quando no meio de um diálogo cabeça com um amigo pseudo-intelectual (daqueles, especialistas em bandas de rock-indie-progressivo-búlgaro e veneradores de filmes alternativos iranianos), há a temível pergunta: Tu já leste, né?! As pernas tremem, a garganta seca, o suor frio escorre pela nunca e tu, reunindo todas as suas forças interiores, gaguejas fracamente: Já, já... já li sim... MENTIRA! Todos sabem que tu nunca leste, está escrito na tua cara!

Dostoievski, Voltaire, Maquiavel, Cervantes, autores de clássicos literários cujas citações permeiam conversas regadas a álcool em botequins acadêmicos e rodas literárias de especialistas, os quais estão presentes em nosso dia-a-dia, inspirando poetas, músicos, escritores, ou simples mortais. Mas há de se convir que não são todos simples mortais que dedicam dias de sua ínfima vida à leitura destes clássicos. Alguns já ouviram falar, outros conhecem um pouco por meio de fontes duvidosas (lê-se amigos pseudo-intelectuais), mas os que mais me impressionam, por sua audácia e dissimulação, são os fingidores! Eles, que citam Goethe e Alighieri, exaltam Kafka e Wilde, declamam apaixonadamente Shakespeare e Homero, quem dirá que não sabem do que estão falando? Quem duvidará da autenticidade de suas falas? Pois eu duvido! Porque uma coisa é certa, fingidores conhecem fingidores, e eu, como tal, reconheço de longe a discreta engasgada que precede um tímido “sim, já li”. E aqui eu faço o meu apelo: fingidores, uni-vos! Uni-vos para não serdes mais fingidores, uni-vos para na próxima vez que vos perguntarem se já leram, respondam de cabeça erguida: NÃO! E para depois humildemente ir até a próxima biblioteca, sebo, livraria, ou pedir emprestado ao amigo verdadeiramente intelectual, o dito livro. Assim, os ainda fingidores serão facilmente detectáveis, pois seu conhecimento superficial, ainda que exibido orgulhosamente, não se iguala a de um ex-fingidor, o que teve a coragem de assumir sua posição como tal e reverter-lha, realmente lendo os livros que preconiza adorar.

Pois é, caros colegas fingidores, eu sinto muito por ter-vos (nos) desmascarado, mas me parecia tremenda injustiça vosso reinado fajuto no entendimento da literatura. Agora vos resta definhar em meses e meses de leitura árdua para o próximo encontro periódico de ex-fingidores, intelectuais, pseudo-intelectuais e os remanescentes fingidores, os quais eu sinceramente espero que não se enquadrem por muito mais tempo nessa categoria, e regar de verdadeiro conhecimento literário os infinitos botequins da vida! Ah, e para os corajosos ex-fingidores, fica a dica: será muito mais fácil fingir entender o livro depois de lê-lo do que fingir tê-lo lido. Experiência [in]própria!
Ilustração: www.lupevision.com